domingo, 30 de abril de 2017

Teologia Natural Pré-Socrática [Edward Feser]

Teologia Natural Pré-Socrática

Teologia Natural Pré-Socrática

A filosofia ocidental começou com os pré-socráticos. Assim também começou meu interesse próprio pela filosofia, que foi iluminado por um encontro com Tales, Heráclito, Parmênides & CIA em um curso sobre literatura grega que tomei enquanto na graduação, há mais de vinte anos. Estes pensadores são indefinidamente fascinantes. Estou correntemente lecionando um curso em filosofia antiga e terei me atrasado significativamente do cronograma no momento em que estivermos avançado até Sócrates, avesso como eu sou a apressar-me rápido demais nas ideias de seus predecessores.

É comum notar que as características definidoras da filosofia e ciência ocidentaos podem ser encontrados em forma embrionária nos pré-socráticos. Tales e outros monistas ionianos nos dão as primeiras tentativas de reduzir todos os diversos fenômenos da natureza a umam explicação material única, e seus métodos (até onde podemos determinar com base na usualmente escassa evidência) parece ter sido largamente empírica. Pitágoras e seus seguidores inauguraram a ênfase na estrutura matemática como chave para destravar os segredos da natureza. Em Parmênides e Zenão nós vemos as primeiras tentativas de prover demonstrações rigorosas de teses metafísicas abrangentes. A distinção entre aparência e realidade, a tensão entre tendências racionalistas e empiristas do pensamento, e a análise racional e crítica das ideias recebidas são todas evidentes ao longo do período pré-socrático. Seria ir longe demais (para falar o mínimo) sugerir que devemos melhorar Alfred North Whitehead ao fazer de toda a filosofia ocidental uma nota de rodapé dos pré-socráticos em vez de Platão. Mas não seria tão forçado dizer que pelo menos as sementes do que estaria por vir nos próximos dois milênios e meio podem todas ser encontradas em seus trabalhos.

O que é talvez menos largamente observado sobre isso é a extensão a que os pré-socráticos estabeleceram o palco para o desenvolvimento posterior da teologia natural. Para certificar, que Xenofanes criticou o antropomorfismo e Anaxágoras adentrou em problemas por caracterizar o sol como uma pedra quente em vez de uma divindade são largamenrte consideradas como grandes avanços no pensamento humano. Mas a razão usual pela qual eles são assim tratados parece ser porque estes movimentos são considerados passos ao longo do caminho para uma abordagem completamente ateísta, ou pelo menos não-teísta, do mundo. Que Xenofanes quis substituir o politeísmo, não com o ateísmo mas com o monoteísmo, e que Anaxágoras tratava a Mente como necessária para uma explicação do mundo, são geralmente consideradas menos significativas - como se essas ideias não fossem essenciais aos seus pensamentos como os elementos céticos, e como se estes pensadores, e os pré-socráticos em geral, tivessem falta de coragem em suas convicções, e não pudessem levar-se a si mesmos a abandonar completamente a superstição. Esta é certamente a impressão que Christopher Hitchens (por exemplo) deixa em sia breve e caracteristicamente amadora dicussão da antiga filosofia grega em God is not Great, que assegura que a atitude dos antigos atomistas em ignorar (em vez de negar explicitamente) os deuses para propósitos explanatórios era "naquele tempo ... o mais longe que qualquer mente poderia razoavelmente chegar". Tivessem os gregos sido capazes de política e psicologicamente avançar seu racionalismo até sua conclusão lógica, então (assim deveríamos crer) eles seriam todos ateus.

A verdade, porém, é que os avanços feitos pelos pré-socráticos, quando consistentemente organizados, não mais apontam na direção do ateísmo do que apontam na direção do ceticismo sobre o mundo físico externo. Se você desejar falar da forma que Paul Churchland e outros materialistas eliminativistas falam (algo que você não deveriua desejar, mas deixa para lá), você pode dizer que o que os pensadores pré-socráticos (ou alguns deles, que seja) dizem é que à luz da razão, a "física popular" - nosso entendimento cru e de senso comum dos funcionamentos do mundo físico - deve dar caminho não para a física de todo, mas em vez disso para a física científica. Semelhantemente, a "teologia popular" - os crus antropomorfismos do politeísmo e da superstição - deveria dar lugar não a nenhuma teologia de todo, mas à teologia racional, par ao que desde então veio a ser conhecido como teologia natural. De fato, como uma vez foi conhecimento comum entre filósofos ocidentais, como David Conway recentemente nos relembrou em seu The Rediscovery of Wisdom [LBA1], e como extensamente documentou Lloyd Gerson em God and Greek Philosophy [LBA2], os grandes pensadores gregos, incluindo muitos dos pré-socráticos, tratavam o teísmo como essencial para uma completa abordagem científica do mundo.

Esses ateus vulgares (os neos e os outros) que intencionam encontrar nos gregos as sementes de sua própria posição ateísta falham em perceber a centralidade do teísmo para a tradição grega por diversas razões. Primeiro, eles assumem estupidamente (não há como colocar isso de forma mais suave e mesmo assim precisa) que monoteísmo é somente como o politeísmo mais econômico, como se o Deus da teologia filosófica clássica (e do judaísmo, cristianismo e islão para o caso) fossem apenas como Zeus ou Odin, menos o destacamento. Dado que deuses ploiteístas são tipicamente concebidos em termos toscamente antropomórficos, é concluído que o Deus da teologia filosófica clásssica deve ser basicamente o mesmo tipo de ser - despido de alguns dos antropomorfismos mais flagrantes, talvez, mas essencialmente como os outros deuses exceto por ser o único deles. Portanto Sam Harris assegura-nos que o presidente dos EUA apelar em público a Deus deveria nos atingir como algo tão ultrajante e absurdo quanto uma invocação presidencial de Zeus ou Apolo seria.

É claro, tem que ser extremamente ignorante sobre história da religião, teologia, e filosofia, para pensar que o teísmo filosófico, ou o teísmo em geral, é de qualquer forma compatível com o politeísmo rasteiro; e culpavelmente ignorante também, para os Novos Ateístas, que apresentam-se a si mesmos como iluminadores bem-educados e sofisticados das massas ignorantes, e poderiam facilmente informar a si mesmos dos fatos se realmente quisessem. Mesmo assim, Harris, Hitchens & CIA, em uma imensa façanha de Jiu-Jitsu intelectual, de alguma forma fizeram de seus oponentes os ignorantes e desonestos. De qualquer forma, se alguém realmente pensa que tratar o teísmo como essencial à ciência é como tratar a crença em Pã ou na Fada do Dente como essencial à ciência, então não é surpreendente que este alguém falhará em notar como os grandes filósofos gregos, brilhantes como eram, poderiam possivelmente ter tratado o teísmo como pedra angular da empreitada científica.

Então existe o cientificismo tosco dos ateus vulgares, de acordo com o qual o "método científico" como eles aprendem no colegial constitui o único caminho para o conhecimento - não obstante que tal alegação seja ela mesma filosófica e não científica (pelos seus próprios padrões, de qualquer forma) afinal, e que o que conta como "método científico" é por si mesmo um assunto filosoficamente complexo e controverso. Obrigados como são a uma cartunesca figura "apenas-observe-os-fatos-madame" do que a ciência envolve, eles não podem sondar como alguém pode tratar qualuer coisa supra-empírica como dentro da abrangência do conhecimento científico. Portanto eles não podem entender como as tendências teológicas dos filósofos gregos pdoeriam ser parte e parcela dos seus avanços científicos, em vez de um desvio deles.

Como Christopher Martin mostra em Thomas Aquinas: God and Explanations [LBA3], você não pode entender completamente os argumentos de Aquino para a existência de Deus (ou seus precursores aristotélicos) a não ser que compreenda como eles encaixam-se na concepção aristotélica do que a ciência é, e que eles intencionam ser (e de fato são) argumentos científicos perfeitamente respeitáveis dada esta (ainda perfeitamente defansável) concepção. (Note que eu estou afirmando que é a concepção aristotélica do que a ciência é que é completamente defensável - não esta ou aquela específica alegação científica feita por Aristóteles, muitas das quais foram obviamente refutadas.) Independente de se a concepção aristotélica de o que conta para a ciência estar correta, porém, a ciência empírica como praticada hoje só é possível dadas certas suposições filosóficas, em especial sobre a natureza da causação. Como argumento longamente em The Last Superstition [LBA4], estes argumentos acarretam, quando trabalhados consistentemente, a existência de uma Primeira Causa divina. E eu quero dizer por acarretam: A tradição clássica na teologia natural não sugere, como no estilo de William Paley e seus sucessores em seu movimento pelo "Design Inteligente", que algo parecido com o Deus do teísmo tradicional "provavelmente" está por detrás desta característica complexa específica do mundo. Ela mantém que a existência do Deus do teísmo tradicional é necessária, e racionalmente inevitável, dada a existêbncia de qualquer causação que seja no mundo, mesmo as mais simples. E como Gerson mostra, é evidente do que sabemos que pelo menos alguns dos pré-socráticos que eles tinham mais que uma suspeita disso. Quer dizer, eles (ou alguns deles) sabiam que é o teísmo em vez do ateísmo o resultado lógico de uma abordagem racionalista sobre o mundo.

Que alguns deles estavam tão dispostos quanto estavam a franzir os narizes para o politeísmo grego, até o ponto de sofrerem perseguição, apenas reforça o ponto. Como Gerson enfatiza, não existe nada que seja de motivo apologético no pensamento de filósofos como Xenofanes e Anaxágoras. Eles não estavam racionalizando alguma preconcepção ou ideia recebida, dado qe eles rejeitavam alta e ruidosamente as ideias recebidas, e seu teísmo (ou proto-teísmo) era ele mesmo novidade. Eles portanto deram lugar a uma das lorotas favoritas do ateu vulgar, no sentido que os argumentos filosóficos para a existência de Deus são apenas tentativas desonestas de reforçar ilusões confortantes em vez de uma busca sincera pela verdade.

Na obra dos pré-socráticos encontramos precursores de alguns dos elementos-chave do teísmo clássico de Agostinho, Anselmo, e Aquino. Na noção de Anaximandro do apeiron ou "ilimitado" nós temos uma antecipação da compreensão que o que ultimamente explica os diversos fenômenos do mundo não pode ela mesma ser caracterizada em termos que aplicam-se ao mundo (ou ao menos não univocamente, como acrescentariam os tomistas). De Parmênides nós obtemos o princípio que ex nihilo nihil fit (do nada nada vem), que prenuncia o "princípio da causalidade" dos escolásticos e o argumento da Causa Primeira que repousa sobre este. Derivamos dele também a descoberta que a realidade última deve ser o Ser Em Si Mesmo em vez de um ser entre outros seres, imutante e imutável, e necessariamente um em vez de vários. Em Anaxágoras encontramos a percepção que a causa das coisas deve ser uma Mente em vez de um absoluto impessoal. Levaria ainda a obra de pensadores posteriores - Platão em alguma extensão, Aristóteles em grande extensão, e os escolásticos em uma extensão ainda maior, culminando em Tomás de Aquino e a tradição tomista derivada dele - para trabalhar estas percepções de uma maneira completa e sistemática. Mas assim como com a ciência e filosofia ocidentais mais geralmente, as sementes já estavam nos pré-socráticos; em particular, eles fizeram a ruptura decisiva com o antropomorfismo sobre o pensar em Deus.

Os Neo Ateístas, então, com sua tosca concepção espantalho de Deus, estão menos avançados intelectualmente que aqueles pioneiros de dois milênios e meio atrás. Mas para sermos justos com eles, não é de todo falha deles. Afinal a apologética popular contemporânea, e mesmo uma parte da filosofia da religião contemporânea, vem sendo infectada com um antropomorfismo que, enquanto menos impolido que o politeísmo antigo, não obstante abre seus aderentes a objeções que não têm força contra àquelas de Aristóteles, Agostinho, Anselmo ou Aquino, para não mencionar seus precursores pré-socráticos.

Brian Davies tem utilmente distinguido [LBA5] entre o teísmo clássico - que domina a grande tradição dominante na teologia natural, como representada pelas figuras acima mencionadas - e o "teísmo personalista", que ele detecta no pensamento de filósofos contemporâneos da religião como Richard Swinburne e Alvin Plantinga, e que eu creio que também possa ser claramente encontrado em William Paley (que modela Deus por projetistas humanos), no movimento contemporâneo de "Design Inteligente", entre aderentes de uma visão atualmente modernosa de "teísmo aberto", e em incontáveis trabalhos de apologética popular. A concepção teísta clássica de Deus começa com a ideia que Deus é a causa sustentadora do mundo e portanto é ultimamente distinto dele. O "teísmo personalista" (também conhecido como neoteísmo) começa com a ideia que Deus é uma "pessoa" ao lado de outras pessoas, apenas sem as limitações características das pessoas com as quais somos mais familiares (a saber, nós). Enquanto o teísmo clássico tipicamente chega a uma detalheda concepção de Deus determinando que tal causa do mundo deve assemelhar-se - e famosamente chega a um Deus que é radicalmente diferente de nós de fato (fora do tempo e do espaço, pura atualidade, ser em si mesmo etc.) - o teísmo personalista desenvolve sua concepção de Deus abstraindo progressivamente as características típicas de nós enquanto pessoas finitas. Portanto ele faz de Deus uma pessoa meio que como nós, apenas sem um corpo, sem nossas fraquezas morais, sem as barreiras ao conhecimento e poder que temos, e assim por diante. A concepção de Deus que resulta é, certamente, bem diferente de Zeus, Apolo ou Pã. Mas é claramente atropomórfica, mesmo que de alguma forma rarefeita.

Como Davies aponta, muitas das objeções levantadas pelos céticos contra o teísmo e os argumentos teístas tradicionais realmente têm força somente contra o teísmo personalista, e não contra o teísmo clássico. (Davies desenvolveu esta ideia mais completamente em relação ao problema do mal. Veja seu livro The Reality of God and the Problem of Evil [LBA6].) Dada a obsessão dos neo-ateístas com Paley (como se ele fosse a única pessoa a dar algum argumento pela existência de Deus), e que seu entendimento com outros pensadores provavelmente não se estende mais que uma rápida folheada de algum tratado popular de apologética, talvez não seja surpreendente que eles pensem que o teísmo seja mais ou menos antropomorfista. Novamente, isto não os escusa: qualquer um evidenciando o senso de superioridade moral e intelectual que Dawkins, Dennett, Harris e Hitchens evidenciam tem que ter feito muito bem seu dever de casa e engajar seriamente com a tradição teísta representada por Aristóteles, Agostinho, Anselmo, Aquino e Leibniz, apenas para dar alguns nomes; e (como demonstrei em The Last Superstition) nenhum dos Novos Ateístas chegou perto disso. Não obstante, o teísmo personalista explícito ou implícito de Paley e seus sucessores e de certos filósofos da religião contemporâneos tem turvado as águas intelectuais consideravelmente e (na minha visão) inconscientemente dado ajuda e conforto ao inimigo.

Aqui, como em tudo na vida humana, o remédio é retornar e aprender dos nossos antepassados, incluindo aqueles pais da filosofia, ciência e teologia natural, os pré-socráticos.

Postscript 1: Para aqueles interessados em filosofia pré-socrática, o novo livro de Raymond Tallis [LBA7] sobre Parmênides parece bastante interessante de fato. Infelizmente, também é apavoradoramente caro. Mas um resumo grátis pode ser visto aqui [LBA8].

Postscript 2: Minha referência a "ateus vulgares" naturalmente levanta a questão de se eu reconheceria que existem ateus não-vulgares. A resposta, claro, é sim. Eu gostaria de pensar que meu antigo eu seria um exemplo. (Eu fui ateu por muitos anos, antes de tornar-me convencido que os argumentos teístas tradicionais, quando propriamente compreendidos - quer dizer, quando as caricaturas estúpidas e objeções desprezíveis vendidas pelos neo-ateus e seus detritos são descartadas - são convincentes. Pessoas que dizem que argumentos filosóficos nunca levaram ninguém a Deus não sabem do que estão falando.) Exemplos mais importantes de ateus sérios ou não-vulgares são J. L. Mackie, J. J. C. Smart, e Quentin Smith.


Notas e Links

[LBA1]http://www.amazon.com/Rediscovery-Wisdom-David-Conway/dp/0333747119/ref=sr_1_1?ie=UTF8&s=books&qid=1221694524&sr=1-1
[LBA2]http://www.amazon.com/God-Greek-Philosophy-Studies-Theology/dp/0415113059/ref=sr_1_1?ie=UTF8&s=books&qid=1221694295&sr=1-1
[LBA3]http://www.amazon.com/Thomas-Aquinas-Christopher-Martin/dp/0748609016
[LBA4]http://www.amazon.com/Last-Superstition-Refutation-Atheism-American/dp/1587314517/ref=sr_1_1?ie=UTF8&s=books&qid=1221694830&sr=1-1
[LBA5]http://www.amazon.com/Introduction-Philosophy-Religion-Brian-Davies/dp/0199263477/ref=sr_1_1?ie=UTF8&s=books&qid=1221694908&sr=1-1
[LBA6]http://www.amazon.com/Reality-God-Problem-Evil/dp/082649241X/ref=sr_1_12?ie=UTF8&s=books&qid=1221694948&sr=1-12
[LBA7]http://www.amazon.com/Enduring-Significance-Parmenides-Unthinkable-Philosophy/dp/082649952X/ref=sr_1_1?ie=UTF8&s=books&qid=1221695021&sr=1-1
[LBA8]http://web.archive.org/web/20071222231359/http://www.prospect-magazine.co.uk/article_details.php?id=9972

META
Título Original Pre-Socratic natural theology
Autor Edward Feser
Link Original http://edwardfeser.blogspot.com.br/2008/09/pre-socratic-natural-theology.html
Link Arquivado http://archive.is/Igmyl

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