segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

"Objeções Filosóficas à Presciência Divina" por W. L. Craig

O que Deus sabe? Reconciliando Presciência Divina e Liberdade Humana
Capítulo 3: Objeções Filosóficas à Presciência Divina



[O post a seguir é um capítulo sobre presciência divina, do The RZIM Critical Questions Booklet Series, intitulado 'Objeções Filosóficas à Presciência Divina'. Ele foi escrito pelo filósofo cristão molinista William Lane Craig (www.reasonablefaith.org) em defesa da noção de livre arbítrio libertário é compatível com a presciência divina, contra os proponentes do Teísmo Aberto, que objetam sob a premissa de que a crença de que conhecimento divino exaustivo implica fatalismo para negarem o livre arbítrio. Mas, desde que o fatalismo é falso, eles dizem, a presciência divina deve ser falsa também. De maneira interessante, porém, uma das premissas-chave dos teólogos abertos é a mesma dos deterministas estritos, a saber, a de que a proposição: "Presciência divina é incompatível com contingentes futuros[escolhas libertárias]" é verdadeira. Desde que este é o caso, tomei a liberdade de transmitir ipsis literis o ensaio de Dr. Craig aqui, para auxiliar as recentes discussões que se formaram nest grupo. O capítulo encobre as páginas 29 a 40 do livro supracitado. O livro é altamente recomendado! B. P. Burnett.]

Oponentes da doutrina bíblica da presciência divina geralmente levantam duas objeções à mesma:
  1. Presciência divina é incompatível com contingentes futuros.
  2. Não há fundamento no qual Deus possa conhecer contingentes futuros.
Vamos explorar cada uma destas questões aqui.

A Compatibilidade entre Presciência Divina e Contingentes Futuros

Claramente, não é exegese bíblica a força motivadora na negação da presciência divina de contingentes futuros feita pelo Teísmo Aberto. De fato a força por trás da Teologia Aberta é um argumento filosófico derivado do antigo fatalismo grego e travestido em uma roupagem teológica, sendo a exegese bíblica voltada para dar suporte a uma conclusão já determinada por considerações filosóficas. Fatalismo é a doutrina de que tudo que fazemos é por necessidade e portanto liberdade humana é uma ilusão. É alegado que se Deus pré-conhece o futuro então o fatalismo é verdadeiro. Como o fatalismo não é verdadeiro, segue que Deus não deve conhecer o futuro.

É irônico que a os teólogos abertos apelam para tal argumento, desde que estes mesmos teólogos criticam ferozmente a influência do pensamento grego na tradição bíblica. De fato, parece que eles mesmos foram seduzidos por um raciocínio de origem na filosofia grega - raciocínio fatalístico, o qual foi resolutamente resistido pelos Pais da Igreja. Se os teólogos abertos encontram a solução sugerida para o fatalismo pouco convincente, então é o melhor princípio da humildade intelectual confessar simplesmente que não se tem a percepção filosófica para resolver o problema (Sl 139:6) e manter as doutrinas bíblicas em tensão em vez de negar o claro ensino de que Deus conhece o futuro.

Que argumento alegadamente demonstra a conexão entre presciência divina e fatalismo? Sendo E um evento qualquer, o argumento basicamente segue assim:
P1 - Necessariamente, se Deus pré-conhece E, então E ocorrerá. P2 - Deus pré-conhece E. C - Portanto, E necessariamente ocorrerá.
Como E ocorre necessariamente, E não é um evento contingente. Em virtude da presciência de Deus, tudo está fadado a ocorrer.

O problema com o formato do argumento acima é que ele é simplesmente falacioso. O que as premissas P1 e P2 implicam não é C mas
C' - Portanto, E ocorrerá.
O fatalista mistura tudo aqui. É correto afirmar que em um argumento dedutivo bem construído as premissas necessariamente implicam a conclusão, e que a conclusão necessariamente segue das premissas. Mas a conclusão em si não precisa ser necessária. O fatalista transfere de maneira ilegítima a necessidade da inferência para a conclusão em si. O que necessariamente segue de P1 e P2 é C'. Mas o fatalista em sua conclusão pensa que as conclusões em si são necessariamente verdadeiras e então acaba concluindo C. Fazendo isto ele simplesmente comete uma falácia lógica comum.

A conclusão correta C' não é de maneira alguma incompatível com a liberdade humana. A partir do conhecimento de que eu farei E, não acarreta que eu deva fazer E, mas apenas que eu farei E. O conhecimento de Deus que eu farei alguma coisa livremente é bem diferente da noção que eu devo fazê-lo. O conhecimento de Deus não é de maneira alguma incompatível com o ato de fazer E livremente.

Sem dúvida, a maior fonte da confusão fatalista é confundir certeza com necessidade. Frequentemente se encontra entre os escritos de teólogos fatalistas contemporâneos assertivas que deslizam da afirmação de que algo é certamente verdade para a afirmação de que este algo é necessariamente verdade. Isto é uma tremenda confusão. Certeza é uma propriedade de pessoas e não tem nada a ver com a verdade, como se torna evidente do fato que podemos estar absolutamente certos de uma coisa, a qual seja falsa. Em contraste, necessidade é uma propriedade de proposições que, independente de nosso conhecimento, são necessariamente verdadeiras (imagine uma equação matemática ou teorema complicados). Então, quando afirmamos que certa proposição é "certamente verdadeira", esta é apenas uma maneira de falar indicando que temos uma convicção de que a dita proposição seja verdadeira. Pessoas têm certeza (em seus raciocínios); proposições são necessárias (em seu valor de verdade).

Confundindo certeza e necessidade, o fatalista faz tal argumento falacioso enganosamente atraente. Pois, da veracidade de P1 e P2, podemos ter absoluta certeza de que E vai acontecer. Mas é ingênuo pensar que, já que certamente E ocorrerá, então E necessariamente ocorrerá. Podemos estar certos, dada a presciência de Deus, de que E não falhará em ocorrer, mesmo que seja mesmo quando é completamente possível para E falhar em ocorrer. E pode falhar em ocorrer, mas Deus sabe que isto não se atualizará. Portanto, podemos estar certos que E ocorrerá - e ocorrerá contingentemente.
Teólogos fatalistas contemporâneos reconhecem a falácia acima, e tentam remediá-la fazendo a premissa P2 necessariamente verdadeira:
P1 - Necessariamente, se Deus pré-conhece E, então E ocorrerá. P2'- Necessariamente, Deus pré-conhece E. C - Portanto, E necessariamente ocorrerá.
Desta maneira, o argumento não é falacioso, e então a questão se torna analisar se as premissas são verdadeiras.

P1 é claramente verdadeira. Talvez seja interessante notar que este é o caso, não devido a onisciência ou inerrância essenciais de Deus, mas simplesmente em virtude da definição de "conhecimento". Desde que conhecimento implica crença verdadeira, qualquer pessoa que saiba que E ocorrerá necessariamente implica que E ocorrerá. Podemos então substituir as premissas P1 e P2' por estas:
P1* - Necessariamente, se Smith crê corretamente que E ocorrerá, então E ocorrerá. P2* - Necessariamente, Smith crê corretamente que E ocorrerá. C - Portanto, E necessariamente ocorrerá.
C segue normalmente. Portanto, se qualquer pessoa tem crenças verdadeiras acerca do futuro (e isto é certamente verdadeiro, já que ouvimos complacentemente quando as pessoas nos dizem coisas como "Eu bem que te avisei!"), então, dada a veracidade de P2*, o fatalismo segue de meras crenças humanas - uma conclusão curiosa!

De fato, como os antigos fatalistas gregos já pensaram, a presença de qualquer agente afinal - Deus incluso - é realmente desnecessária ao argumento. Tudo o que precisamos é de uma proposição verdadeira acerca do futuro, para que o argumento siga. Podemos então trocar P1 e P2' por
P1* - Necessariamente, se é verdade que E ocorrerá, então E ocorrerá. P2* - Necessariamente, é verdade que E ocorrerá. C - Portanto, E necessariamente ocorrerá.
Obtemos C novamente como conclusão. Então, a filósofa Susan Hack corretamente chama o argumento ou teologia fatalista "uma desnecessária (e confusa) versão elaborada" do fatalismo grego; a adição de um Deus onisciente constitui "um desvio gratuito" acerca da real questão - de fato, a verdade ou falsidade das proposições futuras[1]. Ou seja, se um evento ocorrerá no futuro ("É verdade que E ocorrerá"), a onisciência divina é irrelevante para a questão.

Para evitar a generalização deste argumento a todas as pessoas e a meras proposições sobre o futuro, teólogos fatalistas negarão que a segunda premissa é verdadeira a respeito de humanos ou meras proposições, como o seria para Deus. Eles diriam que Smith ter uma crença verdadeira ou alguma proposição futura verdadeira não são necessariamente a maneira que Deus ter uma crença verdadeira seja necessária.

Isto suscita a questão de se a premissa P2' é verdadeira. Agora como valor de face a premissa P2' parece obviamente falsa. A teologia cristã sempre manteve que a criação do mundo foi um ato livre, que Deus poderia ter feito um mundo diferente no qual E não ocorra, ou mesmo nem ter criado um mundo afinal. Afirmar que Deus necessariamente pré-conhece qualquer evento E implica quer este é o único mundo que Deus poderia ter criado e portanto nega a liberdade divina.

Mas os teólogos fatalistas têm um tipo diferente de necessidade em mente quando afirmam que a presciência de Deus é necessária. O que eles falam sobre é necessidade temporal, ou a necessidade do passado. Geralmente isto é expresso dizendo que o passado é inevitável ou imutável. Se algum evento é passado, então agora é tarde demais para afetá-lo. Ele é, neste sentido, necessário. Desde que a presciência divina dos eventos futuros é agora parte do passado, ela é então fixa e inalterável. Portanto, dada a livre criação deste mundo em especial, dizem eles, P2' é verdadeiro.

Mas se P2' é verdadeiro neste sentido, por que o mesmo não valeria para P2* e P2**? O fatalista teológico argumentará que Smith estar certo não é fato ou evento passado, bem como Deus ter uma crença acerca de algo.

Mas este entendimento do que constitui um fato ou evento parece bastante contra-intuitivo. Se Smith acreditava em 1997 que Clinton seria impedido {soferia impeachment}, Smith teria uma crença verdadeira naquele tempo. Então não é um fato que a crença de Smith era verdadeira? Se Smith ainda hoje mantiver tal crença (Clinton será impedido), não seria um fato que tal crença é falsa (afinal, Clinton já deixou a Casa Branca)? Se a crença de Smith muda de verdadeira para falsa, então certamente era um fato que sua crença era verdadeira e é um fato que sua crença agora é falsa. O mesmo obviamente vale para a mera proposição "Clinton será impedido". Esta proposição uma vez tinha a propriedade de ser verdadeira e agora tem a propriedade de ser falsa. Em qualquer sentido razoável de "fato", estes são fatos passados e presentes.

De fato uma proposição tendo valor de verdade é plausivelmente um evento. Isto é mais óbvio com respeito a proposições do tipo "O voo 4750 para Paris irá partir na próxima hora". Tais proposições sendo verdadeiras são claramente eventos em qualquer interpretação razoável do que se constitui um evento.

Fatalistas teológicos sequer começaram a abordar a questão da natureza dos fatos ou eventos para que tornem plausível que a crença verdadeira de Smith acerca de uma proposição futura não conte como um fato ou evento passado. Mas então vemos que o fatalismo teológico não é teológico afinal. Se o raciocínio teológico fatalista for correto, ele pode ser generalizado para demonstrar que todo momento que temos uma crença verdadeira acerca do futuro ou mesmo realizamos uma assertiva verdadeira acerca do futuro, então o futuro é 'destinado' a ocorrer - certamente uma inferência inacreditável!

Ademais, temos as melhores razões para pensar que a premissa P2' é defeituosa em algum ponto - de fato, o fatalismo coloca uma restrição ininteligível para a vontade humana. O fatalista admite que eventos previstos por Deus são causalmente indeterminados; de fato, eles poderiam teoricamente ser eventos espontâneos, completamente não-causados. Mesmo assim, tais eventos são de alguma forma restritos. Mas pelo quê? Destino fatalista? O que seria isto além de um mero nome? Se minhas ações são causalmente livres, como elas podem ser restritas pelo simples fato que Deus a conhece?

Algumas vezes, fatalistas afirmam que a presciência de Deus coloca uma espécie de restrição na minha ação. Mesmo que eu seja causalmente livre para me abster de uma ação, existe alguma restrição lógica sobre mim, tornando impossível para mim me abster. Mas na medida em que podemos raciocinar sobre limitações lógicas, elas não são análogas ao tipo de necessitação imaginada pelo fatalista teológico. Por exemplo, dado o fato que Jones já jogou basquete pelo menos uma vez na vida, agora é impossível que ele jogue basquete pela primeira vez. Ele então não é livre para jogar basquete pela primeira vez. Mas esta espécie de limitação não é análoga ao fatalismo teológico em momento algum. No caso em que estamos imaginando, é sobre o poder de Jones jogar basquete ou não. Não importa se ele jogou antes ou não, ele pode livremente executar as ações de jogar basquete. É somente pelo fato que ele já jogou antes que estas ações não serão contadas como jogar basquete pela primeira vez. Em contraste, o fatalista imagina que se Deus conhece que Jones não jogará basquete, então ainda que Jones seja causalmente livre, suas ações são causalmente restritas de tal modo que ele literalmente é incapaz de andar pela quadra, driblar e lançar. Mas tal determinismo não-causal é irremediavelmente obscuro e ininteligível.

O argumento do fatalismo é portanto contra-intuitivo. Desde que a premissa P1 é obviamente verdadeira, o problema deve ser P2'. A premissa P2' é notavelmente problemática. A noção de necessidade temporal aplicada aplicada pelo fatalista é de tal modo obscura que P2' se torna um mar de dificuldades filosóficas. Por exemplo, desde que a necessidade de P1 é lógica e de P2' é temporal, por que pensar que tal mistura de modalidades distintas é válida? Se o fatalista responder que necessidade lógica implica necessidade temporal, então a premissa P1 poderia ser reinterpretada meramente em termos de necessidade temporal, então como sabemos que tal necessidade é passada das premissas para a conclusão, da mesma maneira que ocorreria com a necessidade lógica? De fato, desde que E é por suposição um evento futuro, como ele poderia ser temporalmente necessário? Desde que E não é nem presente nem passado mas ainda está por ocorrer, ele não pode possivelmente ser caracterizado por necessidade temporal supostamente inerente a eventos passados uma vez que tenham acontecido. Então, temos toda razão de pensar que necessidade temporal não seja transitiva. (A necessidade de eventos passados não é, portanto, transmitida a eventos futuros. Por exemplo, a necessidade das crenças de Deus já passadas não é transferida aos eventos futuros que Ele pré-conhece.)

E mesmo se este peculiar tipo de necessidade fosse transitiva, e daí E fosse temporalmente necessário, como podemos saber que este tipo de necessidade seria incompatível com a liberdade das ações? É plausível que enquanto as escolhas de uma pessoa sejam causalmente indeterminadas, esta seja uma escolha livre ainda que ela não seja capaz de realizar a escolha contrária[2]. Imagine um homem com eletrodos secretamente implantados no seu cérebro, tal homem sendo apresentado a duas escolhas, X ou Y. Os eletrodos ficam inativos enquanto o homem escolher X; mas, se o homem escolher Y, então os eletrodos entram em ação e forçam o homem a escolher X. Se os eletrodos entrarem em ação, causando o homem a escolher X, é claro que a escolha por X não fora livre. Mas suponha que o homem realmente quis escolher X e escolheu sem ser causalmente determinado a tal. Neste caso sua escolha por X é inteiramente livre, desde que os eletrodos não entraram em ação e não tiveram efeito na escolha de X, ainda que o homem seja literalmente incapaz de escolher Y. O que faz esta escolha livre é a ausência de qualquer fator causalmente determinante de sua escolha X. Este conceito de liberdade libertária tem a vantagem de explicar como é possível que as escolhas de Deus serem boas e livres, ainda que Deus seja incapaz de pecar - a saber, Suas escolhas não são determinadas por limitações causais. Portanto, liberdade libertária da vontade não requer a capacidade de escolher além do que alguém escolhe. Logo, mesmo que E seja temporalmente necessário, tal que não-E não possa ocorrer, não é óbvio que E não seja livremente escolhido ou realizado.

Todos estes problemas surgem se concedermos veracidade a P2'. Mas, por que pensar que tal premissa seja verdadeira? O que é necessidade temporal afinal, e por que pensar que as crenças passadas de Deus sejam agora temporalmente necessárias? Fatalistas teológicos jamais providenciaram uma abordagem adequada desta espécie peculiar de necessidade. Ainda há que ter uma explicação da necessidade temporal, de acordo com a ideia de que as crenças passadas de Deus são temporalmente necessárias, a qual não reduza ou a inalterabilidade ou fechamento causal do passado.

Mas, interpretar a necessidade do passado como sua inalterabilidade (ou imutabilidade ou inevitabilidade) é claramente inadequada, desde que o futuro é por definição tão inalterável quanto o passado. Por definição, o futuro é aquilo que acontecerá, e o passado é o que aconteceu. Mudar o futuro seria afirmar que um evento que ocorrerá não ocorrerá, uma auto-contradição. É puramente uma questão de definição que o passado e o futuro não podem ser mudados, e conclusão fatalista alguma seria verdade. Não é necessário sermos capazes de mudar o futuro para que se possa determinar o futuro. Se nossas ações são livremente realizadas, então está em nosso poder determinar casualmente qual o curso que os eventos futuros terão, mesmo que não possamos mudar o futuro.

O fatalista insistirá que o passado é necessário no sentido de que não temos uma capacidade semelhante de determinar causalmente o passado. O não-fatalista pode despreocupadamente conceder a razão: causação reversa é impossível. Mas o fechamento causal do passado não implica fatalismo. Liberdade de deixar de agir como Deus sabe como se vai agir não envolve causação reversa. Pode-se admitir sem problemas que não há nada que eu possa fazer para causar ou formar o passado. Portanto, não posso causar Deus a ter tido no passado uma determinada crença sobre minhas ações futuras. Mas pode muito bem estar em meu poder executar livremente alguma ação A, e se A fosse ocorrer, então o passado seria diferente do que de fato ele é. Suponha, por exemplo, que Deus sempre acreditou que no ano de 2004 George W. Bush aceitaria a nomeação de seu partido para concorrer a um segundo mandato. Suponha que até o momento, Bush tenha a capacidade de escolher ou recusar a candidatura. Se ele recusasse a candidatura, então Deus teria uma crença diferente daquela que ele de fato tem. Se Bush recusar a candidatura, então diferentes proposições futuras seriam verdadeiras, e então Deus, por onisciência, deveria saber das mesmas. Então, Ele teria um conhecimento distinto daquele que Ele de fato tem. A relação entre as ações de um indivíduo e as correspondentes proposições futuras sobre ele não é uma relação causal. Nem é a relação entre as proposições futuras verdadeiras e o conhecimento de Deus uma relação causal. Então, o fechamento causal do passado é irrelevante. Se necessidade temporal é meramente o fechamento causal do passado, então isto é insuficiente para dar suporte ao fatalismo.

Nenhum fatalista sequer estabeleceu uma concepção de necessidade temporal que não corresponda a qualquer inalterabilidade ou fechamento causal do passado. Tipicamente, fatalistas apenas apelam gratuitamente a algum tipo de "Princípio do Passado Fixo" no sentido de que não está em meu poder agir de uma tal maneira, que se eu fizesse assim então o passado seria diferente - o que é uma petição de princípio. Na análise da necessidade temporal que não se reduz ou à inalterabilidade ou fechamento causal do passado, as crenças passadas de Deus sempre acabam por não ser temporalmente necessárias[3]. É interessante que conclusões precisamente paralelas seguem a respeito de eventos passados em casos de viagem no tempo, causação reversa, precognição, e a Teoria Especial da Relatividade, que providenciam analogias interessantes às crenças de Deus acerca de contingentes futuros[4].

Portanto, o argumento para o fatalismo teológico é insatisfatório. Teólogos abertos devem procurar outro argumento para dar suporte filosófico à sua posição, já que o fatalismo não oferece bases cogentes para negar a doutrina bíblica da presciência divina de contingentes futuros.

A Base da Presciência Divina dos Contingentes Futuros


E sobre a segunda questão levantada acerca da presciência divina, a base do conhecimento de Deus dos contingentes futuros? Detratores da presciência divina algumas vezes afirmam que eventos futuros não existem, e portanto não podem ser conhecidos por Deus. O raciocínio é mais ou menos assim:
P1 - Apenas eventos que realmente existem podem ser conhecidos por Deus. P2 - Eventos futuros não existem. C - Portanto, eventos futuros não podem ser conhecidos por Deus.
Como mencionado anteriormente, P2 não é incontroversa. Muitos físicos e filósofos do tempo argumentam que eventos futuros existem. Eles argumentam que a diferença entra passado, presente e futuro é meramente uma questão subjetiva da consciência humana. Para as pessoas do ano de 2015 os eventos daquele ano são tão reais quanto os eventos de nosso presente são para nós, e para tais pessoas, nós é que somos passados e irreais. Em tal visão Deus transcende o contínuo espaço-tempo quadridimensional, e portanto todos os eventos são eternamente presente para Ele. É fácil em tal visão entender como Deus poderia assim conhecer eventos que são futuros para nós.

Mesmo assim, tal visão quadridimensonal da realidade encontra consideráveis objeções filosóficas e teológicas[5], de tal maneira que a premissa P2 é mais plausivelmente verdadeira que falsa. Então a questão passa a ser por que razão deveríamos pensar que a premissa P1 é verdadeira.

Ao avaliar a questão de como Deus conhece quais eventos irão se realizar, é útil distinguir entre dois modelos de cognição divina: o modelo perceptualista e o modelo racionalista (ou conceptualista). O modelo perceptualista constrói o conhecimento divino pela analogia da percepção sensorial. Deus "olha" e "vê" o que estiver por aí. Tal modelo é implicitamente assumido quando as pessoas falam acerca da "previsão" do futuro por Deus ou ter "previsto" eventos futuros. O modelo perceptualista da cognição divina entra em reais problemas quando trata do conhecimento de Deus acerca do futuro, já que, dado que eventos futuros não existem então não há nada para se perceber[6].

Em contraste, no modelo racionalista do conhecimento divino, Deus não adquire Seu conhecimento do mundo por nada como percepção. Seu conhecimento do futuro não é baseado em seu "observar de antemão" e "ver o que tem no futuro" (uma noção terrivelmente antropomórfica, de todo jeito). Em vez disso, o conhecimento de Deus é auto-contido; é mais como o conhecimento de ideias inatas por uma mente. Como um ser onisciente, Deus essencialmente tem a propriedade de conhecer todas as verdades; existem verdades acerca de eventos futuros; logo, Deus conhece todas as verdades acerca de eventos futuros.

Agora, pode-se perguntar: "Como Deus pode ter conhecimento inato de todas as verdades, incluindo aí verdades acerca do futuro?". Mas é difícil dar sentido a esta pergunta. O ponto de chamar tal conhecimento de inato é negar que existam quaisquer maneiras pelas quais Deus adquira Seu conhecimento - de fato, que é apropriado falar de Deus adquirir conhecimento afinal. Pelo contrário, como o ser prefeito, maximalmente concebível, Deus simplesmente possui conhecimento essencial de todas e somente todas as verdades; proposições contingentes futuras estão entre as verdades que existem; logo, Deus possui conhecimento essencial de contingentes futuros. Perguntar como Ele pode ter tal é apenas expressão de incredulidade, como se alguém perguntasse "como Deus pode ser onipotente?" ou "Como Deus pode ser moralmente perfeito?" ou "Como Deus pode ser eterno?". Ele simplesmente é desta maneira, e nada mais precisa ser dito. Enquanto não somos levados a pensar na presciência divina com um modelo de percepção, não é mais evidente por que o conhecimento de contingentes futuros deveria ser impossível. Um modelo racionalista fornece uma base clara para o conhecimento divino de contingentes futuros.

Ainda assim, existe uma versão do modelo racionalista apelando para o conhecimento hipotético de Deus que nos permite a dizer consideravelmente mais acerca das bases do conhecimento de Deus. Ela é chamada de doutrina do conhecimento médio, e é tão intrigante e teologicamente importante que merece uma discussão separada. No próximo capítulo, portanto, iremos explorar mais a fundo esta fascinante teoria do conhecimento divino.

Para o momento, porém, podemos concluir que o fatalismo teológico que está enraizado na negação da presciência divina dos contingentes futuros pelos teólogos abertos é logicamente falacioso, e enquanto nós construímos o conhecimento de Deus a partir de uma linha racionalista de cognição, não há razões pensar que Deus não tenha conhecimento de contingentes futuros. As objeções da Teologia Aberta ao entendimento tradicional da onisciência divina são portanto desprovidas de sentido e falham em minar a dita doutrina.
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[1] Susan Hack, “On a Theological Argument for Fatalism,” Philosophical Quarterly 24 (1974): 158.
[2] Veja Harry Frankfurt, “Alternate Possibilities and Moral Responsibility,” Journal of Philosophy 66 (1969): 829-39; Thomas V. Morris, The Logic of God Incarnate (Ithaca, N.Y.: Cornwell University Press, 1986), 151-2. Para uma aplicação do fatalismo teológico, veja David P. Hunt, “On Augustine’s Way Out,” Faith and Philosophy 16 (1999): 3-26.
[3] Veja por exemplo , “Accidental Necessity and Logical Determinism,” Journal of Philosophy 80 (1983): 257-78.
[4] Veja a discussão no meu livro The Only Wise God (Grand Rapids, Mich.: baker, 1987; rep. ed.: Eugene, Ore.: Wipf & Stock, 2000).
[5] Veja meus volumes Tensed Theory of Time: A Critical Examination e The Tenseless Theory of Time: A Critical Examination, ambos pela Kluwer Academic Publishers. Para uma popularização, o meu Time and Eternity (Wheaton, Ill.: Crossway, 2001).
[6] Note, porém, que se pensarmos em proposições como sendo parte da competência de Deus, então mesmo num modelo perceptualista, Deus pode conhecer o futuro, desde que ele percebe quais proposições futuras presentemente têm a propriedade de serem verdadeiras inerente a elas. Portanto, por meio de Sua percepção das realidades presentemente existentes, Ele sabe a verdade acerca do futuro.

Apresentação


Em mais um trabalho de readequação, estou tomando o blog "Carpinteiro do Universo" para tratar de Filosofia - em especial, Filosofia da Religião.

Como de costume, este blog conterá traduções, principalmente.